Amor...amas-me? Claro
que sim - respondi sem hesitar, como se a mais pequena hesitação fizesse
daquela verdade a maior mentira dita por alguém -. Mesmo assim? Como estou?
Como estás - perguntei sabendo a resposta -. Sim: velha; doente; mal me consigo
mexer! Não vês? Não - respondi -, não vejo. Vejo os teus cabelos brancos: como
suave algodão. Vejo os teus olhos: janelas da alma, que contam uma história de
alegrias e tristezas. Vejo as tuas mãos: enrugadas; cheias de percursos. Vejo o
teu rosto: seco; com doces manchas que o tempo fez. Amo-te hoje mais do que no
dia em que te conheci - continuei -. Mentiroso! Sei que isso não é verdade. Não
podes amar aquilo que vês: não se ama alguém cuja morte se prepara para
bafejar. Enganas-te - disse-lhe -, ainda vais andar por cá uns largos anos:
alegra-te porque para tristezas, já basta a crise e o que nos têm levado nestes
últimos anos. Além do mais - continuei, para reforçar -, o amor nunca morre. E
quem sabe se ainda vou primeiro que tu? Parvo, isso nunca. Não podia continuar
viva sem ti; sem os teus abraços; sem as tuas piadas pela manhã; sem o teu
pequeno-almoço carinhosamente preparado e tomado na cama: já não me levanto faz
meses. É amor – disse. Não duvides. Amo-te mais do que é possível amar alguém.
E foi nesse dia, de mãos entrelaçadas e os lábios dele
colados na sua testa, que ela fechou os
olhos - com um lindo sorriso estampado no rosto; um sorriso de paixão eterna -,
para nunca mais acordar.